CRISE HIPERTENSIVA
Todo estudante de medicina que já passou pelo 3º ano já está careca de saber o que é hipertensão, sua epidemiologia, sua fisiopatologia, os fatores de risco, seu tratamento e possíveis complicações. Caso não esteja ou queria revisar, basta acessar nosso post de hipertensão arterial sistêmica!
Entretanto, sabemos como abordar um paciente em crise hipertensiva? O que é isso? Podemos mandar o paciente para casa apenas alterando a medicação? Quais são as consequências e o que pensar de um paciente que apresenta uma crise hipertensiva? Esses são temas que vamos abordar nesse post.
A crise hipertensiva corresponde a 0,45-0,59% dos atendimentos em emergências hospitalares. Por sua vez, a emergência hipertensiva representa 25% de todos os casos de crises hipertensivas, sendo AVE isquêmico e edema agudo de pulmão, as emergências hipertensivas mais frequentes.
DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO
Mas, pera aí, emergência hipertensiva é a mesma coisa que crise hipertensiva? Essa é uma pergunta intuitiva para a qual a resposta é NÃO!
As crises hipertensivas se classificam em:
1. Urgências hipertensivas;
2. Emergências hipertensivas.
URGÊNCIAS HIPERTENSIVAS
A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) define urgência hipertensiva (UH) como situações clínicas sintomáticas em que há elevação da pressão arterial diastólica (PAd) ≥ 120 mmHg sem lesão de órgão alvo aguda e progressiva.
Enquanto a American Heart Association (AHA) define UH como situações em que há elevação severa de níveis pressóricos sem lesões ou disfunções de órgão alvo agudas.
EMERGÊNCIAS HIPERTENSIVAS
A SBC define emergência hipertensiva (EH) como situações clínicas sintomáticas em que há elevação da PAd ≥ 120 mmHg com lesão aguda e progressiva de órgão alvo.
Já a AHA define a EH como quadro de elevação dos níveis pressóricos acima de 180 x 120 mmHg com evidência de lesão progressiva ou nova de órgão alvo.

ETIOLOGIA
URGÊNCIA HIPERTENSIVA
A etiologia da UH é normalmente associada a não adesão ao tratamento não farmacológico e farmacológico pelo paciente.
EMERGÊNCIA HIPERTENSIVA
Já a EH é classificada quanto a sua etiologia em:
Já os outros 3-5% dos pacientes apresentam o que conhecemos como HAS secundária, que é quando existe uma doença de base responsável por elevar os níveis pressóricos. Entre essas, as principais são as seguintes:

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A investigação clínica da crise hipertensiva bem como a solicitação de exames deve visar a mensuração adequada da PA e avaliação de lesão de órgão alvo.
MENSURAÇÃO DA PA
A PA nesses casos deve ser medida nos dois braços em ambiente calmo repetidas vezes até estabilização (mínimo de 3 mensurações).
Repetidamente deve ser perguntado para o paciente sobre a PA habitual deste, como também possíveis fatores que possam ter ocasionado a situação atual, por exemplo, ansiedade, dor, consumo de sal, outras comorbidades, dosagem e adesão de fármacos anti-hipertensivos ou uso de fármacos que possam aumentar a PA, como AINEs, corticoides, simpaticomiméticos e álcool.
AVALIAÇÃO DE LESÃO DE ÓRGÃO ALVO (LOA)
Devemos abordar sistematicamente a presença de LOA aguda ou progressiva, essa abordagem consiste em 4 etapas:
1. Sistema cardiovascular;
2. Sistema nervoso;
4. Sistema renal e geniturinário;
5. Fundoscopia.
Sistema cardiovascular
Neste momento devemos nos atentar para dor ou desconforto no tórax, abdome e dorso, dispneia, fadiga e tosse. É necessária ainda a avaliação da frequência cardíaca, seu ritmo, como estão os pulsos, se há sopros cardíacos ou vasculares e atentar-se para estase de jugulares. Além disso, devemos avaliar a presença de congestão pulmonar, abdominal ou periférica.
Exames complementares
A avaliação do sistema cardiovascular deve ser feita de acordo com o quadro clínico e disponibilidade dos exames, temos com opções: monitorização eletrocardiográfica, saturação de O2, radiografia de tórax, ecocardiograma, marcadores de necrose miocárdica, hemograma com plaquetograma, LDL, angiotomografia e RNM.
Sistema nervoso
Os pacientes podem apresentar sintomas de tontura, cefaleia, alteração visual, auditiva ou de fala, alteração do nível de consciência, agitação ou confusão mental, déficits focais, rigidez de nuca e convulsão.
Exames complementares
Para o sistema neurológico, dependendo do quadro clínico e das suspeitas, podemos requisitar tomografia ou ressonância de crânio e punção lombar.
Sistema renal e geniturinário
Neste ponto devemos nos atentar para a alteração do volume da urina, da frequência miccional ou do aspecto da urina. Devemos investigar hematúria, edema, desidratação, massas e sopros abdominais.
Exames complementares
Os exames disponíveis, a depender do quadro clínico, para avaliar esse sistema são: urina tipo I, creatinina, ureia, sódio, potássio e cloro plasmáticos bem como gasometria.
Fundoscopia
Este exame merece destaque na avaliação de LOA na crise hipertensiva. Nele, devemos avaliar a presença de papiledema, hemorragias, exudato vasoespasmos, cruzamentos arteriovenosos e espessamento da parede arterial.
Vale ressaltar aqui que as LOA na crise hipertensiva tem os seus respectivos diagnósticos e tratamentos, não sendo o objetivo desse post explica-los. Caso queiram checar alguns deles, basta conferirem nossos posts de AVC, DAC, IRA e IC. Neles, abordamos algumas doenças que podem ser causadas pela hipertensão, caracterizando a lesão de órgão alvo nesta patologia.
MANEJO DA CRISE HIPERTENSIVA
O manejo da crise hipertensiva se divide em:
1. Manejo da urgência hipertensiva;
2. Manejo da emergência hipertensiva.
MANEJO DA URGÊNCIA HIPERTENSIVA
O tratamento/manejo da urgência hipertensiva deve ser iniciado apenas após um período de observação em ambiente calmo para afastar pseudocrises, as quais são tratadas apenas com repouso, uso de analgésicos e/ou tranquilizantes.
Uma vez a pseudocrise afastada, os medicamentos de escolha para redução da PA são captopril (iECA), clonidina (agonista alfa-2) e betabloqueadores. Essa redução deve ser feita gradualmente nas primeiras 24-48 horas. Nesse momento precisamos nos atentar para interações medicamentosas, por exemplo, se o paciente já usa losartana (BRA) não vamos prescrever o captopril para ele.
MANEJO DA EMERGÊNCIA HIPERTENSIVA
O manejo da emergência hipertensiva, por sua vez, é mais complexo por se tratar de uma condição mais grave. Ele tem como principal objetivo a redução rápida da PA para impedir a progressão das LOA.
Os pacientes com quadro de EH devem ser internados em UTI para usarem anti-hipertensivos intravenosos e serem monitorados durante a terapia para evitar quadros de hipotensão.
Vale ressaltar que também neste ponto temos uma diversa variabilidade de como e quando devemos baixar a PA, sendo o tipo de órgão alvo lesado o fator determinante. Por exemplo, em quadros de edema agudo de pulmão e dissecção aórtica, a redução dos níveis pressóricos deve ser feita imediatamente. Porém, em caso de AVC isquêmico, são tolerados valores pressóricos abaixo de 220x120 mmHg caso o paciente não realize terapia de reperfusão e 185x110 caso o paciente irá realizar trombólise ou trombectomia.
No entanto, as recomendações GERAIS da emergência hipertensiva são:
MANEJO DAS SITUAÇÕES ESPECIAIS
Como foi dito anteriormente, o manejo da EH muda a depender do tipo da LOA, sendo assim, as principais situações que podemos nos deparar são 6:
1. Acidente vascular encefálico;
2. Síndrome coronariana aguda;
3. Edema agudo de pulmão;
4. Dissecção de aorta;
5. Uso de substâncias ilícitas;
6. Lesão renal aguda rapidamente progressiva.
Cada uma dessas situações tem sua peculiaridade ao manejar a PA.
Acidente vascular encefálico
A hipertensão arterial é um dos principais fatores de risco para o AVE, principalmente o hemorrágico.
Acidente vascular encefálico hemorrágico
Nesses casos, para pacientes com a PAs entre 150 e 220 mmHg e sem contraindicações para o tratamento, é seguro reduzirmos esse valor para 140 mmHg e pode ser eficaz para o desfecho funcional. Para isso devemos realizar 1 hora de infusão de anti-hipertensivos intravenosos e realizar a monitorização da PA de 5 em 5 min.
Para pacientes com a PAs > 220 mmHg, devemos considerar uma redução agressiva com o monitoramento frequente da PA.
Acidente vascular encefálico isquêmico
No AVE isquêmico podemos dividir os pacientes em quem não fará a terapia de reperfusão (trombólise e/ou trombectomia) e quem fará.
Para quem não irá realizar a terapia de reperfusão a PA do paciente é aceitável < 220x110 mmHg. Caso ultrapasse, não devemos diminuir mais do que 15 a 20% da PA, mantendo a PAd entre 100-110 mmHg nas primeiras 24 horas.
Para quem irá realizar a terapia de reperfusão deve ser feito um controle da PA para < 185x110 mmHg por no mínimo 24 horas após o trombolítico.


Síndrome coronariana aguda
Nas síndromes coronarianas temos uma elevação da PA pelo reflexo da isquemia miocárdica. Os nitratos possuem um importante efeito reduzindo a resistência vascular periférica, melhorando a perfusão coronariana e reduzem a pré-carga, dessa forma reduzindo o consumo e aumentando a demanda de O2 no miocárdio.
Vale ressaltar que o nitroprussiato de sódio aqui não é indicado!
A síndrome coronariana aguda tem 3 etiologias principais: angina instável, IAM com supra de ST e IAM sem supra de ST.
Independentemente da etiologia nós iremos realizar a nitroglicerina intravenosa para o controle da HAS, isquemia persistente e insuficiência cardíaca. Vale ressaltar que essa droga não substitui aquelas com redução de mortalidade comprovada nessas patologias como iECA ou betabloqueadores.
Porém, a nitroglicerina está contraindicada em caso de uso de inibidores da fosfodiesterase (sidenafila, vardenafila e tadalafila) nas últimas 48 horas. Além disso, os betabloqueadores são contraindicados para pessoas que possuam evidências clínicas de baixo débito cardíaco pelo risco de choque cardiogênico.
Edema agudo de pulmão
O quadro de isquemia miocárdica pode estar presente na fisiopatogenia do EAP associado a EH. Nos casos de EAP a PA deve ser controlada como todas as outras em UTI e com medicação via parenteral com monitoramento da diminuição gradativa da PA.
Dissecção aguda de aorta
Sempre deve ser considerada em pacientes com dor precordial e elevação da PA. Nesses casos a PAs alvo de 120 mmHg deve ser alcançada em 20 minutos, pois a progressão da patologia está diretamente relacionada com o valor da PA e velocidade de ejeção ventricular. Por isso, o uso isolado do nitroprussiato (NPS) não é ideal pois o mesmo aumenta a FC. Dessa forma, devem ser associados a essa droga um betabloqueador.
Caso o paciente possua intolerância ao NPS ou contraindicação para o betabloqueador, o Trimetafan deve ser utilizado.
Uso de substâncias ilícitas
Dentre as substâncias ilícitas mais comuns que elevam a PA temos a cocaína, crack, anfetaminas e ecstasy, pois elas têm uma ação simpatomimética.
Para acrescentar o crack e a cocaína também aumentam o risco de AVE e insuficiência coronariana aguda. Já o ecstasy pode causar ainda rabdomiólise e insuficiência renal aguda.
O tratamento para essas condições inclui o uso de betabloqueadores, alfabloqueadores e bloqueadores dos canais de cálcio.
Lesão renal aguda rapidamente progressiva
A relação entre as disfunções renais e cardíacas não é nenhuma novidade. Sendo assim, indivíduos com maior comprometimento da função renal apresentem importante disfunção cardíaca e possuem maior prejuízo da função renal em quadro de PA elevada.
LRA rapidamente progressiva é definida como agravamento súbito da função renal em um período de 48 horas e possui critérios para classificação (RIFLE e AKIN).
Para tratar essa EH, devemos usar hidralazina, diurético de alça e betabloqueador. Caso não haja resultado, podemos considerar o nitruprussiato de sódio e até diálise.
CONCLUSÃO
Esperamos que vocês tenham aproveitado a leitura e aprendido um pouco mais sobre as crises hipertensivas. Caso queiram saber mais um pouco das principais lesões de órgão alvo e seus tratamentos basta visitarem os nossos posts de AVC, DAC, IRA e insuficiência cardíaca.
Deixem sugestões ou dúvidas nos comentários!
REFERÊNCIAS
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Malachias M. V. B. et al. 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2016.
-
Unger T.; Borghi C.; et al. 2020 International Society of Hypertension Global Hypertension Practice Guidelines. American Heart Association, 2020.